sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Frações de segundos

Certos acontecimentos mexem de tal forma com a gente que, por mais que se tente esquecer, marcam nossas vidas tão intensamente, que fica impossível não tentar tirar alguma reflexão, algum ensinamento. Era manhã do dia 13 de outubro de 2011, estávamos a caminho da pequena cidade de Barreirinhas, em direção ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. No meio da viagem, fizemos uma parada para um lanche, uma ida ao banheiro. Na TV da lanchonete, imagens de um acidente ocorrido no centro da cidade do Rio de Janeiro chamaram minha atenção. Uma explosão ocorrida em um restaurante. As imagens do momento exato da explosão foram registradas pelas câmeras da prefeitura. A gente fica espantada com as cenas, faz algum comentário, decide experimentar o famoso guaraná Jesus. Volta ao ônibus. Segue viagem. A vida continua.


As imagens captadas se repetiriam ao longo dos dias. Cotidiano corriqueiro. Pessoas conversando. Dia comum. Rotina se repetindo. No canto direito da tela, vê-se um rapaz caminhando. De repente, numa fração de segundos, o inesperado. Aqueles momentos de um cotidiano comum, que nunca chamariam a atenção de ninguém, foram jogados pelos ares. O jovem rapaz, que por volta das sete da manhã se encaminhava para mais um dia de trabalho, passava em frente ao restaurante no instante exato da explosão. Foi jogado a alguns metros de distância. Morreu aos dezenove anos de idade. É óbvio que tudo poderia ter sido evitado se as condições de segurança do restaurante tivessem sido levadas a sério, se a fiscalização fosse eficiente, etc. Não foi uma fatalidade. Dois funcionários do restaurante também morreram.

Algumas pessoas diriam tratar-se do destino. Outras culpariam o acaso. Eu fiquei mesmo foi pensando no que poderia estar passando pela cabeça daquele menino. Fiquei mais uma vez surpreso com a fragilidade de nossa existência. No quanto é tênue o limite que separa a vida da morte. Porque independentemente de culpados, talvez o tempo de amarrar o cadarço do tênis, o tempo para postar alguma bobagem no Facebook, ou quem sabe o tempo de uma parada na banca de jornal para ler as últimas notícias do esporte, um sinal fechado ou aberto, frações de segundos, poderiam ter feito a diferença na vida daquele garoto. Quantos planos, quantos sonhos literalmente despedaçados num tempo quase impossível de quantificar.

Lembrei-me dos meus dezenove anos. Essa idade foi marcante pra mim. Por uma besteira. Completei 19 anos no dia 19 de julho de 1991. Na época, achei interessante a coincidência de tantos dezenoves juntos. O fato é que naquele ano, eu conheci pessoas que estão presentes na minha vida até hoje, muitos de meus melhores amigos. Foi também o ano que comecei a Universidade. E a sensação que tenho é que até então eu era apenas um sonho, um desejo de ser o que sou hoje. Ele também provavelmente era um projeto de um futuro sonhado, imaginado. Um futuro a ser construído com o esforço diário. Aos dezenove anos trabalhando como caixa num banco. Provavelmente estudando a noite. Fazendo planos.

Quando cheguei de viagem, separei o jornal do dia seguinte à tragédia para saber mais sobre a vida do rapaz. Não tive tempo. A cada dia novas notícias, novos acontecimentos. Ninguém fala mais nisso. A vida é assim.

É óbvio que não dá pra viver achando que a qualquer momento seremos atingidos por uma explosão. Assim como não dá pra viver esperando ganhar na Megasena pra ser feliz. Sorte, azar, acaso podem até mudar nossas vidas, mas não dá pra viver em função disso. Pra mim, essa história de vivermos cada dia como se fosse o último é balela. É humanamente impossível manter a calma e o equilíbrio o tempo todo. No entanto, não dá pra viver achando que somos imortais e teremos todo tempo do mundo pra recuperar o tempo perdido com preocupações e mágoas inúteis. Tudo na medida certa. Nem tanto ao mar nem tanto à terra, como diriam os mais sábios.

A verdade é que não podemos garantir nada além de nossas próprias atitudes. Portanto é melhor tentar ser feliz a cada instante, valorizar cada momento da vida. Exercitar a paciência, a compreensão, a parcimônia. Respeitar também os momentos de fraqueza, perdoar a si mesmo muitas vezes. Ser feliz não significa estar alegre o tempo todo. Momentos de tristeza também constroem uma vida feliz. Alguém por aí já disse: “entre ser feliz e ter razão, eu prefiro ser feliz!”. Penso que seja um bom caminho.

2 comentários:

  1. Caro Dedé,
    Muito bom seu texto, principalmente porque termina com um frase que é um das minhas filosofias de vida: Você quer ser feliz ou ter razão?
    A primeira vez que ouvi isso foi em 2007 em uma palestra da Luiza Helena Trajano do Magazine Luiza.
    Desde lá tenho colocado isso em prética!
    Abraços,
    Rafael Rios

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