quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Sou desses que amam pra sempre

Havia ainda poucos dias desde a partida de minha avó. Eu chegava ao sobrado onde eu havia morado e convivido com ela e toda a família. Meu avô, sempre tão alegre, carinhoso, estava sentando numa cadeira à frente da casa, com um olhar perdido, pensativo. Pela primeira vez, nem percebeu que eu havia chegado. “Tá pensado em quê, vô?”. “Em quem poderia ser?”, apontou o indicador para o céu. Desde então essa era a forma como ele se referia a ela. Não tinha mais coragem de pronunciar seu nome. Olhando o horizonte, com a voz embargada, me disse: “agora, sou pássaro sem asa, meu neto! Eu tenho tentado, mas sem ela, eu não sei mais voar.” Ali, eu compreendi o que era um amor verdadeiro. Um amor pra sempre.

Lembrei-me imediatamente de certa vez, quando sentado à mesa, perguntei à minha avó, então com 81 anos: “vó, do que a senhora se lembra da época dos seus filhos pequenos, como era quando todos ainda estavam juntos?”. Ela me respondeu: “eu fui feliz. Seu avô sempre muito compreensivo. Às vezes, ele chegava, eu ainda tava na máquina. Eu costurava segunda, terça e quarta. Machado caseava, pregava botão (Clique para ouvir...)”. E, lembrando-se disso, ela se emocionou e chorou. “Não chora, meu amor. Você é o amor da minha vida, você sabe disso.”, vovô fez-lhe um afago. Vovó era completamente dedicada a ele. No entanto, não havia submissão. Havia entrega. Havia amor. Amor correspondido. Porque ela era também a sua alegria de viver.

Vovô e vovó viveram mais de 60 anos juntos. Foram milhares de dias de convivência, sim fiz as contas, mais de 20.000 (vinte mil) dias dormindo e acordando juntos, dividindo preocupações, alegrias, todos os sonhos, todos os projetos. Para ela, a felicidade era simplesmente a presença dele ao seu lado. O companheirismo. A compreensão. A vida de sacrifício à beira de uma máquina de costura tornava-se tão pequena diante da felicidade de tê-lo por perto. E, na alegria, na tristeza. Na saúde, na doença. Ele sempre estava. Era nítido o quanto ainda se amavam. Depois de tantos anos, os dois ainda nutriam o romance, a sensualidade sutil, perceptível na troca de olhares, na cumplicidade. No carinho. Aqueles olhos ainda tão apaixonados, ainda brilhavam, trocavam segredos, confissões. Depois de tantos anos, ainda se divertiam, ainda riam juntos. Ainda eram felizes. Havia o desejo, a vontade de estar junto.

Encontraram-se por acaso num fim de tarde, durante uma caminhada rotineira pelo passeio público da Rua Santa Luzia, no centro do Rio, nos idos de 1948. Amor à primeira vista? Talvez. Mas certamente não foi isso que fez aquela história durar tanto tempo. Houve muita renúncia, muito sacrifício, muita dedicação mútua. Muita paciência, parcimônia. Sabedoria. Muito amor, além da primeira troca de olhares. Uma história verdadeira. Muito distante das histórias de romantismo, de filmes e contos de fada. Uma história de amor, com todas as nuances e matizes que cabem à vida real.

Às vezes, parece que passamos a vida inteira na tentativa de esbarrar com um amor desses pela rua. Pois não há prêmio maior do que poder caminhar de mãos dadas em busca de sonhos em comum. Ter alguém ao teu lado que te faça sentir pleno, jovem, alegre. Livre. Alguém que torne teus dias, dias mais saborosos, mais leves. Alguém que respeite o teu silêncio. Alguém que tolere os teus defeitos. E que, algumas vezes, até veja certa graça neles. Alguém em quem você possa confiar sempre. Alguém que te conheça profundamente, e ainda assim te ame verdadeiramente. Alguém a quem você tenha vontade de contar todas as suas histórias. Alguém a quem sempre haverá algo a ser dito. Alguém com quem você consiga ficar em silêncio, sem que isso incomode, sem que isso seja constrangedor. Alguém que segure as pontas, quando você não tem forças para fazê-lo. Alguém que te faça rir, porque às vezes é o humor, a alegria, e não apenas o amor, o que sustenta uma relação duradoura. Alguém que deseje beber da mesma taça, de erguer contigo o mesmo cálice, brindar contigo a vida. Alguém com quem você possa viajar pra qualquer lugar do mundo, conhecer lugares juntos, novas culturas, novas histórias pra contar. Alguém com quem você queria ficar em casa, apenas vendo uma bobeira qualquer na televisão. Alguém que acorde no meio da noite e te faça um carinho. Alguém cuja presença, alivia teus medos, teus pesadelos. Alguém que seja a primeira pessoa a quem você queira comunicar suas realizações ou seus fracassos. Alguém que, numa festa, numa reunião qualquer você olha e se sinta a pessoa mais feliz do mundo por sabê-lo seu. Alguém que te olhe com desejo. Alguém que mesmo depois de anos, você ainda tenha vontade de beijar em pé. Que te faça segurar a porta para último beijo antes de ir embora. Alguém com quem você queira ficar enrolando na cama pela manhã, que te faça sorrir ao acordar. Que faça piada, que te irrite de vez em quando. Alguém que quando você passa por perto, num momento cotidiano qualquer, te faça ter vontade de volta para dar um beijo, um abraço, um amasso. Enfim, alguém que você queira que esteja ao teu lado caseando, pregando botões. Para sempre.

Excelente a sensação de estar apaixonado, de ter encontrado a pessoa certa. Porém, melhor ainda é ter a certeza que com o passar dos anos, o amor parece cada vez maior, mais intenso. Sorte daquele que consegue na vida esbarrar com sua alma gêmea. No entanto, a felicidade a dois não nasce do encontro. Ela se constrói a cada dia. Corre nas minhas veias o mesmo sangue dos meus avós, foi com eles que eu aprendi a ser desses que amam pra sempre!











6 comentários:

  1. Tão perfeito, Anderson! Estou muito emocionada, de verdade...texto perfeito, amor da maneira que eu quero e luto pra mim...tb sou do tipo dos que amam pra sempre...minha mãe diz que só sei amar...mas não encaro como algo ruim, amo o ser humano de verdade!
    E acho que você deveria começar a pensar em como colocar isso em um livro, caso não pense ainda...todos deveriam ter o prazer e a incrível oportunidade de ler o que vc escreve!
    Parabéns!!!

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  2. Lindo texto Anderson. Difícil é escrever sem esbarrar no teclado molhado pelas lágrimas. É muito bom amar e ser amado, melhor ainda é saber que o DNA deste amor é para sempre!

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  3. Vc é apenas 10% doutor em Eng Química; é 90% poeta. 100% coração.

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  4. Ah que coisa mais linda!!!
    Estou aqui emocionada,em saber que um dia da minha "Feliz Infância", tive a oportunidade de conhecer
    SrªDalila e o Sr Machado!!!
    Mas uma vez: Eu lhe digo...
    Como te amo e admiro e me orgulho de ser sua prima!!!
    Um beijo grande... *-*

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  5. É verdade; O amor é nossa asa pra voar até o céu ( como já dizia o poeta ) ou até onde quisermos e Deus nos permitir. Incrível é poder ter essa sensação , de flutuar e viajar... Lendo um texto tão lindo mesmo estando com os pés no chão.

    Abraços!

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  6. Não lembro onde vi o seu blog, mas sei que me emocionei muito com esse post. Tô vermelha de tanto que chorei!

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