Estávamos
começando a percorrer uma trilha que nos conduziria à cachoeira conhecida como
Janela do Céu. A caminhada seria pesada, já sabíamos. Alguns quilômetros sobre
um solo pedregoso, sob um sol escaldante. Muitos obstáculos a serem superados.
Altos e baixos. No entanto, íamos falando de tantas histórias vividas,
observando aquela paisagem que se apresentava tão verde e vigorosa, que mesmo
cansados, nunca pensamos em desistir. As nuvens naquele imenso céu azul moviam-se
de tal maneira, desenhando a cada instante um novo cenário sobre nossas cabeças,
que o caminho parecia-nos sempre novo. Flores se debruçavam à beira da estrada,
fazendo-nos parar para apreciá-las e esquecer a árdua caminhada que ainda havia
pela frente. Certamente, em algum lugar por ali, perto de nós, um rio corria alheio,
discreto, e desaguava lá na tal cachoeira, e nós sequer nos dávamos conta disso.
Naquele mesmo dia,
eu pensei em algo que então não conseguiria explicar, e ainda hoje talvez não o
saiba efetivamente. Pensei no quanto aquela experiência, aquela caminhada,
aquela dia de convivência entre amigos de longa data, era sinal, sacramento, de
algo muito maior, mas que de certa forma estava presente em detalhes em cada um
daqueles momentos que estávamos vivendo em apenas um dia, naquela simples
caminhada. O que estou tentando dizer é que contando a história daquele único
dia, eu estaria certamente falando de uma história de anos. Como se aquela
trilha, aquele dia comum, fosse um uma célula, um microcosmos, um filme, uma
poesia, algo que contém em si, de forma mística, mágica, religiosa talvez, uma
dimensão que vai muito além de uma simples caminhada. A parte contendo o todo.
Talvez, eu me
faça entender melhor, se disser que “certo dia, eu decidi trilhar um caminho
que levasse a uma janela, que diziam ser a janela de onde se poderia avistar o
céu. Pelo caminho, fui encontrando pessoas que seguiram comigo em busca do
mesmo objetivo. No início, quando ainda tínhamos apenas a ideia, a empolgação,
o sonho, a caminhada nos pareceu tranquila. A paisagem que ladeava a estrada, o
sol que nos aquecia, a brisa refrescante eram de uma beleza realmente animadora.
No entanto, depois de algum tempo de caminhada, o cansaço começava a nos
abater, a nos subtrair as forças, e o desânimo dava o ar de sua graça. Mas cada
um de nós, sentia-se responsável por não deixar o outro desistir. Queríamos
encontrar a janela que dava para o céu. Respirávamos fundo. Seguíamos em frente.
A estrada era sinuosa, com muitas pedras pelo caminho. Montanhas a serem
transpostas. Embrenhamo-nos por caminhos escuros, tenebrosos. Mas estávamos
juntos. Superamos e seguimos em frente. Em momento algum víamos o rio, mas
sabíamos que ele estava por ali. Passando. Ao longe, avistávamos pessoas que
também caminhavam rumo à mesma janela. Em certos momentos, tivemos dúvidas
sobre que caminho seguir, em outros temíamos estar perdidos. Fazíamos as
escolhas e juntos seguíamos em frente. Mesmo quando pensamos estar bem perto,
duvidamos. Afinal, nunca havíamos estado ali. Não conhecíamos de fato a tal
janela. Mas intuíamos sua beleza, tínhamos esperança. A fé nos guiava até ela.
Finalmente, chegamos àquela janela, que se escondia por entre pedras e arbustos.
No entanto, era preciso descer ainda mais fundo para irmos ao encontro da fonte
de águas límpidas. Era preciso arriscar-se à beira do abismo para se chegar
àquela janela que se abria ao céu. Mais uma vez, nos apoiamos. Demo-nos as
mãos. E então contemplamos juntos aquela paisagem arrebatadora. E, diante de
tamanha beleza, a estrada que nos levou até lá, as dificuldades do caminho,
pareceu-nos muito pequenas.” Quem poderá dizer se o que relatei foi a aventura
de um dia ou a história de uma vida? É justamente esta a minha tentativa de
expressar o milagre daquele momento. Pois ali naquele dia, naquela caminhada,
estavam os companheiros de uma vida, aqueles que trilham comigo a mesma
estrada, estrada que cremos também vai dar numa janela que nos levará ao céu.
Hoje, estou certo de que aqueles que estão ao meu lado, na
trilha do parque ou na estrada da vida, não estão apenas porque eu escolhi ou
fiz um convite. Nossas almas é que se encontraram, se reconheceram, se
permitiram caminhar juntas. E nesse encontro de almas só há espaço para o amor
e o respeito. Não há planos nem formalidades. Não espaço para mágoas, provocações
e vingancinhas. Tudo precisa ser pessoal. É preciso cativar, cuidar, cultivar. Há
limites a serem respeitados. Enfim, ser amigo é muito mais do que estar ao lado
de alguém em uma trilha de fim de semana. Amizade é acima de tudo uma relação
de confiança, de doação, de respeito. Por isso guardo com muito mais carinho as
imagens, as lembranças da caminhada do que a exuberante beleza da Janela do Céu.
O caminhar foi bem mais importante. Pois, ao meu lado estavam meus amigos, meus
companheiros de viagem. E, junto deles, ainda que eu desanime, ainda que o
caminho seja pedregoso e árduo, estou certo de que sempre hei de encontrar uma
janela que me faça ver o céu.
Amigo, o melhor de tudo é ter a certeza de que sou personagem de todas as suas trilhas. Estando ou não exatamente naquela naquela trilha, naquele momento, caminhando ao seu lado.
ResponderExcluirDevo confessar que fiquei um pouco assustada com este trecho...
"Os outros que busquem outros caminhos. De preferência bem longe de mim."
Ro, você é companheira de todas as viagens mesmo! Não se assuste! A estrada é bem larga... dá pra todo mundo caminhar, mas do meu lado só os que fazem bem a minha alma! Não posso reclamar rs!
ResponderExcluirAmigo... O que dizer? Você sabe que minha vida ganhou novos contornos por causa daquela caminhada? Como pode sentirmos a mesma coisa, no mesmo momento, mesmo sem termos nos falado sobre isso? Como você mesmo disse, encontro de almas, reconhecimento do caminho a ser percorrido junto, sempre.
ResponderExcluirMais um texto primoroso e definitivo em minha vida.
Tudo o que se transformou em mim ganhou forma definitiva ali, com aquela caminhada entre amigos e com uma certa história sobre uma omelete...quando você me iluminou, mesmo sem ter consciência disso.
Te amo tanto que às vezes não cabe dentro de mim... Bj,
Dani Brites