Eles geralmente vinham embrulhados em papel de
pão ou jornal. Ela os trazia quando retornava de alguma viagem curta à casa de
amigos ou parentes. Aquela gente que morava na roça, que eles tinham o costume
de visitar de vez em quando. Na maioria das vezes, ela tirava os mamões verdes
da sacola e os colocava pra madurar na fruteira que havia no corredor. No silêncio
da noite, os frutos sutilmente envelheciam. Entregavam-se silentes à inexorável
ação do tempo. O verde ia se despedindo lentamente, dando vez a um amarelo cada
dia mais forte e vigoroso. A dureza e o amargor rendiam-se à maciez e a doçura
do fruto maduro. Era o tempo a conduzir, discreto, o milagre do amadurecimento.
Passavam-se alguns dias, e ela, intuindo o desejo do fruto em se tornar
alimento, separava um dos mais avermelhados, e colocava sobre a mesa para o café
da manhã. Cortava então o mamão, de fora a fora, expondo aos nossos olhos atentos
a beleza da fruta que se deixou transformar. Encaixando uma de suas metades na
palma da mão, ela raspava o mamão com uma colher pequena, retirando-lhe as
sementes, e o colocava sobre o prato do vovô, enquanto exaltava os benefícios da
fruta no auxílio à boa digestão. Eu, que até então não tinha olhos de ciência,
nada sabia a respeito da química, de enzimas e metabolismos, deixava-me levar apenas
pelo encanto das incontáveis bolotinhas que feito bilhas rolavam pela mesa. Em
silêncio, eu me divertia, tentando adivinhar qual delas alcançaria lugar mais
distante sobre a mesa.
Se as frutas trazidas da roça não tivessem
como destino a fruteira, era certo que no dia seguinte haveria doce de mamão
verde. Neste caso, o ritual era outro. Era preciso vencer o quanto antes a
avidez da fruta em se tornar madura. Não se podia esperar. Então, assim que
chegava de viagem, ela já pegava os mamões ainda bem verdinhos e, com uma faquinha
de ponta fina, riscava a casca de todos eles e os deixava descansando por
algumas horas. Dizia ser necessário cortar a pele para deixar escorrer o amargor.
Passado o tempo necessário, ela cortava os mamões verdes ao meio, retirava as
sementes esbranquiçadas, e passava todos eles, com casca e tudo, num ralador bem
velhinho, que ela guardava com todo cuidado, pois era o único que ralava os mamões
da maneira que ela aprovava. O ralador, em verdade, não passava de uma lata de
marmelada toda furada com prego e martelo, que havia sido presente de uma
cunhada, que morava em Paty do Alferes, de onde geralmente vinham os mamões
verdes. Geralmente, preenchia-se uma bacia bem grande com aqueles fragmentos de
mamão ralado, que compunham um emaranhado de fiapos da fruta, que variavam seus
tons desde o mais claro ao mais intenso dos verdes, que nem de longe lembravam o
avermelhado do fruto maduro. Ela, então, cobria o mamão ralado com água e o deixava
de molho durante a noite inteira. Na manhã seguinte, ainda bem cedo, lá estava
ela à beira do fogão, a mexer o tacho com o açúcar e os fiapos da fruta, enquanto
o vapor que ascendia, perfumava o sobrado com aquele cheirinho de doce de mamão
verde e com nuances de cravo e canela. Naquele tempo, eu nem apreciava tanto assim
o sabor do doce de mamão verde, mas gostava de saber que, mais tarde, estaríamos
reunidos à mesa, enquanto ela carinhosamente ia servindo cada um de nós com um
pouquinho daquele doce, que mais parecia um cristal de tão brilhoso e
transparente.
Voltando pra casa, há alguns dias, lembrei-me
do tal doce de mamão verde de minha avó. Entrei no supermercado e comprei
alguns mamões bem verdinhos. Risquei-os da mesma forma que ela fazia. Deixei
descansado. Mais tarde, enquanto eu ralava os pedaços do mamão, fiquei pensado no
quanto aquele procedimento todo, o passo a passo daquela receita, trazia, de
certo modo, ensinamentos simples para uma vida inteira. Minha avó, ao voltar de
viagem com aqueles mamões verdes, já devia vir pensando, decidindo, o que fazer
com eles. A escolha, por si só, já pressupunha caminhos diferentes, estratégias
distintas a serem tomadas. Em alguns momentos, ela bem sabia, bastava apenas deixar
o tempo agir. Quando não se pode fazer nada, além disso, é preciso tão somente
ter paciência e saber esperar. Só mesmo o amadurecimento para imprimir essa sabedoria
capaz de nos fazer compreender que, com o passar do tempo, mesmo a amargura e a
dureza da vida podem se transformar em maciez e doçura. Por outro lado, em outras
situações, a vida demanda atitudes mais rápidas e precisas. Não é possível se
dar ao luxo de ver o tempo passar. Às vezes, o amargo tem mesmo é que sair na
marra. Nem que pra isso seja necessário ferir, cortar a pele, para evitar que mais
adiante tenha que se provar um dissabor maior. A sabedoria pode estar também na
decisão de não esperar, de agir o quanto antes. Em certos momentos, é preciso
saber tirar proveito das fases nem tão doces da vida. Levá-las ao fogo transformador.
Fazer com que ganhem brilho e transparência. Para cada objetivo, sempre há uma
atitude mais adequada a ser tomada. Ela, daquele seu jeito sereno, sempre escolhia
a maneira mais sábia de lidar, seja com os mamões verdes ou com as questões mais
complicadas da vida. De mamão maduro não se faz doce, ela dizia. Naquele dia, enquanto
eu esperava o doce pegar o ponto, olhando minhas mãos a conduzir aquela colher
de pau, eu pude perceber o quanto de minha avó ficou em mim, no meu modo de
encarar a vida. Na maneira paciente e parcimoniosa em que tento fazer minhas
escolhas, em que traço minhas estratégias. Naquele tempo, enquanto eu corria pelos
corredores daquele sobrado, alheio às mudanças que o tempo impunha não só aos
mamões esquecidos na fruteira, mas a todos nós, eu nem me dava conta disso, mas
as lições de vida daquela senhora já me invadiam a alma, da mesma forma que o cheirinho
do doce de mamão verde, que hoje novamente se espalhou por minha casa, fazendo-me
sentir a mesma paz que sinto desde outrora.
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