Norminha
quase não frequentou a escola. Aprendeu a ler e a escrever na marra, anotando
os recadinhos ao telefone, lendo os bilhetes deixados pelas patroas na porta da
geladeira.
—
Ô Dona Ester, esses menino vão acabar
quebrando o vaso de pranta. Eu já
mandei parar com essa bola, esses menino!
—
Tá bom, Norminha, tá bom. A gente para. Mas não é pranta, é planta!
—
Eu tô falando é pro bem de vocês mermo.
Daqui um pouco, Dona Ester desce e planta a mão em vocês tudo. Falei certo,
Dudu?
Era assim
que ela ia aprendendo a falar seu português todo peculiar. Prestava atenção em
tudo. Admirava a patroa conversando ao telefone. Ficava repetindo algumas palavras,
muitas vezes, sem nem saber ao certo o que significavam. Apegava-se às palavras
pelo som que elas produziam, pelo prazer que dava em dizê-las. Pelo gosto. Pelo
tato.
—
Então, Dona Ester. Hoje mermo, quando
eu tavo soltando do ônibus, vim pensando no que a senhora falou comigo
ontem.
—
Saltando, Norminha. Você estava saltando do ônibus.
—
Que saltando que nada, Dona Ester. A senhora pode até saltar do taxi, do seu
carro. Mas de ônibus lotado, de trem abarrotado, a gente tá tão agarrado, que
tem é que soltar mermo. Cadiquê se for tentar saltar, Dona
Ester, chega é todo dia atrasada no serviço.
A patroa
sorriu e foi obrigada a concordar.
—
Você tem toda razão, Norminha.
—
Sempre tive que aprender tudo sozinha nessa vida. Ninguém nunca me deu nada de
mão beijada. Aí vem esses pessoal com
história de regra pra cima de mim?! Na minha gramática, quem manda sou eu.
Norminha
decidia se uma palavra estava certa ou errada, baseando-se nas sensações que
tinha quando falava, ou nas experiências da vida. Quando encasquetava com
alguma palavra, ninguém a fazia falar diferente.
—
Pois então, Dona Ester, num fica tão preocupada. Essa história do Seu Nestor
vai se resolver. É coisa permanente. Derrepentemente, passa!
Pra ela,
permanente era passageiro. Coisa que uma hora acaba. Do mesmo jeito que acabava
o efeito do permanente no cabelo da sua antiga patroa. Essa até D. Ester já
sabia.
—
Pois é, Norminha, é como você sempre me diz: “Encrespou, Dona Ester? Fica fria
que é permanente. Logo, logo fica liso de novo!”. Ai, Norminha, só você mesmo
pra me fazer rir.
—
É isso ai, Dona Ester. Bola pra frente. A senhora num sabe o que é pobrema não. Pobrema é coisa de pobre. Feito praga, prego, pedreira... O que a
senhora tem, Dona Ester, é poblema. E
poblema é coisa simples, plana, leve
feito pluma, que o vento leva e acaba num instante.
Norminha tinha
uma alegria de viver que contagiava a todos. Nada a tirava do sério. E assim seguia
seu caminho, “blindando” à vida, mesmo
que ás vezes ela estivesse meio “compricada” .
A leitura flui como se fosse a coisa mais natural nessa vida. Nem senti que estava lendo ao iniciar a leitura e de repente terminou. Muito bem redigido. Gostei!
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