domingo, 8 de julho de 2012

Norminha, curta e grossa!


Norminha quase não frequentou a escola. Aprendeu a ler e a escrever na marra, anotando os recadinhos ao telefone, lendo os bilhetes deixados pelas patroas na porta da geladeira.
— Ô Dona Ester, esses menino vão acabar quebrando o vaso de pranta. Eu já mandei parar com essa bola, esses menino!
— Tá bom, Norminha, tá bom. A gente para. Mas não é pranta, é planta!
— Eu tô falando é pro bem de vocês mermo. Daqui um pouco, Dona Ester desce e planta a mão em vocês tudo. Falei certo, Dudu?
Era assim que ela ia aprendendo a falar seu português todo peculiar. Prestava atenção em tudo. Admirava a patroa conversando ao telefone. Ficava repetindo algumas palavras, muitas vezes, sem nem saber ao certo o que significavam. Apegava-se às palavras pelo som que elas produziam, pelo prazer que dava em dizê-las. Pelo gosto. Pelo tato.
— Então, Dona Ester. Hoje mermo, quando eu tavo soltando do ônibus, vim pensando no que a senhora falou comigo ontem.
— Saltando, Norminha. Você estava saltando do ônibus.
— Que saltando que nada, Dona Ester. A senhora pode até saltar do taxi, do seu carro. Mas de ônibus lotado, de trem abarrotado, a gente tá tão agarrado, que tem é que soltar mermo. Cadiquê se for tentar saltar, Dona Ester, chega é todo dia atrasada no serviço.
A patroa sorriu e foi obrigada a concordar.
— Você tem toda razão, Norminha.
— Sempre tive que aprender tudo sozinha nessa vida. Ninguém nunca me deu nada de mão beijada. Aí vem esses pessoal com história de regra pra cima de mim?! Na minha gramática, quem manda sou eu.
Norminha decidia se uma palavra estava certa ou errada, baseando-se nas sensações que tinha quando falava, ou nas experiências da vida. Quando encasquetava com alguma palavra, ninguém a fazia falar diferente.
— Pois então, Dona Ester, num fica tão preocupada. Essa história do Seu Nestor vai se resolver. É coisa permanente. Derrepentemente, passa!
Pra ela, permanente era passageiro. Coisa que uma hora acaba. Do mesmo jeito que acabava o efeito do permanente no cabelo da sua antiga patroa. Essa até D. Ester já sabia.
— Pois é, Norminha, é como você sempre me diz: “Encrespou, Dona Ester? Fica fria que é permanente. Logo, logo fica liso de novo!”. Ai, Norminha, só você mesmo pra me fazer rir.
— É isso ai, Dona Ester. Bola pra frente. A senhora num sabe o que é pobrema não. Pobrema é coisa de pobre. Feito praga, prego, pedreira... O que a senhora tem, Dona Ester, é poblema. E poblema é coisa simples, plana, leve feito pluma, que o vento leva e acaba num instante.
Norminha tinha uma alegria de viver que contagiava a todos. Nada a tirava do sério. E assim seguia seu caminho, “blindando” à vida, mesmo que ás vezes ela estivesse meio “compricada” . 


Um comentário:

  1. A leitura flui como se fosse a coisa mais natural nessa vida. Nem senti que estava lendo ao iniciar a leitura e de repente terminou. Muito bem redigido. Gostei!

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