Nestes dias de último
capítulo, de fim de novela, cheguei à conclusão que felicidade não dá ibope. A
gente só quer ver felicidade no final. Vida feliz é chata de acompanhar, não
prende a atenção de ninguém. A gente se interessa pelo caminho, pelo esforço
pra se chegar lá. Não pela felicidade em si. Certamente não faria sucesso algum
uma novela, um filme, um livro etc que mostrasse a rotina feliz de um casal.
Imagine se o último capítulo não fosse o fim da novela. Imagine chegar em casa
toda noite, ligar a TV e, a partir de agora, ver a Morena e o Theo sendo
felizes para sempre. “Hoje eu tenho que correr pra casa, não perco a novela por
nada. É hoje que a Morena vai preparar um jantarzinho pro Theo. Depois ele vai
ajudá-la a lavar a louça, e então ela vai trazer a sobremesa preferida dele e
eles vão assistir a um filminho no DVD. Vão rir de coisas corriqueiras. Numa
determinada cena, ele vai olhar pra ela, na certeza de que ela vai estar
chorando, emocionada. Então, ela vai pegar no sono no colo dele. Quando o filme
terminar, ele vai acordá-la, os dois vão pra cama e vão começar a dormir
abraçados. Não vai ter sexo, essa noite. No meio da noite, ele vai sentir calor
e vai tirar o braço e as pernas dela de cima dele. Ele vai roncar um pouco. Ela
vai acordar e mexer nele para ele se virar e parar de roncar. De manhã, ele vai
acordar primeiro e vai começar a fazer coisas para acordá-la. Os dois vão ficar
implicando um com o outro por alguns minutos. Ele vai para o chuveiro. Ela vai
ouvir o barulho da água, ainda na cama, e vai pro chuveiro também. Eles vão
fazer sexo embaixo d’água. Depois do gozo, enquanto tomam banho, ela lembrará a
ele que é dia de pagar o condomínio. Ele vai começar a se arrumar. Ela, então,
vai preparar o café enquanto ele dá uma passada de olho no jornal. Ele faz que
vai abrir a porta pra sair, ela segura a maçaneta e pede um último beijo. Ele
sai. Ela fica olhando, escondendo parte do corpo por trás da porta, enquanto
ele espera o elevador chegar. Então, ela volta pra cozinha e se depara com um
pia cheia de louça pra lavar. Sobem os créditos”. No capítulo de amanhã, talvez
eles tenham uma discussãozinha boba qualquer, vão ficar de cara feia por um
tempo, aborrecidos, depois um ou outro vai ceder e a vida voltará ao normal.
Vida normal, rotina. Ah, pelo amor de Deus, isso não dá ibope. Por que será que
não? A verdade é que a gente passa a novela inteira torcendo pela felicidade da
protagonista, mas a felicidade só tem graça se for alcançada no último
capítulo. Só no último capítulo é que todo mundo casa, tem filho, enfim, todo
mundo é feliz para sempre. Um pra sempre que acaba ali mesmo. Porque se
continuasse, seria chato demais.
Pois é. Mas, às vezes, é
isso que a gente faz da nossa vida também. Nem sempre o que deixa a gente feliz
é o ser feliz de fato, mas é o fato de estar tentando ser feliz a todo custo.
Na vida real, a gente torce pra ter aquela felicidade de último capítulo, mas
quando ela é alcançada, a gente não sabe o que fazer com ela. Estar feliz com a
rotina parece incomodar. A gente quer sempre mais. A gente quer mais emoção na
trama. É claro que isso pode ser estimulante, motivador. Por outro lado, por
que não querer mais do que se tem é estar acomodado? Estar satisfeito é sempre
sinal de falta de interesse, de falta de ambição, de inércia? Eu, por exemplo,
tracei objetivos na vida, desde muito cedo, e foquei meus esforços em
alcançá-los. Hoje, em muitos momentos, vivo a sensação de ter chegado
exatamente no ponto onde eu sonhei estar. Não que eu não tenha novos objetivos,
que não tenha mais sonhos. Até porque eu planejei chegar aonde cheguei,
justamente para poder sonhar mais e mais, e ter a possibilidade de ter tempo
disponível pra praticar a realização de meus novos sonhos. É óbvio que viver
acomodado, satisfeito com pouco, é ruim. Mas desacelerar depois que a fita foi
rompida no ponto de chegada e comemorar, desfrutar da vitória, por alguns
instantes, também não faz parte do processo? Estar satisfeito pode ser pura e
simplesmente sinal de que se chegou lá. E isso não é ruim. O esforço a partir de
então pode ser empregado na nobre tarefa de tentar manter a posição alcançada,
fazer a tal felicidade de último capítulo perdurar por muito tempo. E isso não
é tarefa fácil não! Pelo contrário, requer muita dedicação. Pois a nossa
felicidade é de vida real, precisa continuar além do momento em que a palavra
“fim” surge na tela. Precisa continuar na rotina, no dia-a-dia, nos momentos
que não dão ibope, nos momentos em que ninguém correria pra casa pra acompanhar
a nossa novela. Não dá pra se viver em função de ser feliz apenas no final. E,
quando muito, mais uma vez na reprise do sábado. O que a gente quer é um pra
sempre que continue na segunda-feira. Um pra sempre que suporte a rotina, que
vá além do aviso de que essa história é uma obra de ficção, e que qualquer
semelhança é mera coincidência. Porque, de fato, não é.
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Pois é meu lindo... por isso que vemos novela, pq a vida já nos é mt conhecida. rs
ResponderExcluirPreferimos acreditar em contos de fada pq estes contos nos faz sonhar e o sonho pode ou ñ ser alcançado.
Bjs e lindos sonhos, meu primo amado.
Divisão... sonho e realidade
Quando misturo
Sonho e realidade
Penso que meus atos, juro,
Podem me levar a insanidade
Chego a um ponto
Onde não consigo divisar
O sonho da realidade
Pra poder recomeçar
A fantasia se mistura
Ao mundo em que vivo
Quisera fosse mais bonito
Porém “ela” não dura
Logo surge a realidade
Me mostrando, cruamente,
Que pra eu ficar contente
Devo viver na ilusão
Que a vida é muito dura
Pra quem vive de inconstância
Melhor viver na ignorância
E não chorar em profusão.
(Cleide Jean)
Obrigado, prima! Linda poesia!
ExcluirTenho gostado muito do "todo dia ela faz tudo sempre igual". Aprendi isso condigo. Aliás, já aprendemos muitas coisas juntos. Cada vez que leio seus textos, penso o quanto ainda vamos aprender.
ResponderExcluirBeijos!
Rô
Pois é, Rô. Muitas histórias, muitas reflexões. Que bom que estamos sempre aprendendo coisas juntos!
ExcluirInteressante seu texto. Na verdade não o texto, mas a idéia central. Também consegui alguns objetivos, mas por muitas vezes me sinto insatisfeito. Talvez seja essa síndrome (?) que você relata. Tenho adotado alguns hábitos simples, muitas vezes "de velho", porém muito prazerosos. Há algum tempo comprei um rádinho de pilha. Radinho não, um puta rádio de uma das marcas mais tradicionais - Motobras. Minha mulher nem imagina quanto paguei. Falei que tinha custado a metade do valor que paguei e ela já reclamou, se soubesse o valor real então... Mas voltemos, comprei esse radinho só para ouvir rádios AM. Isso mesmo, aquelas que nossos pais ouviam e reclamávamos. E tenho ouvido esse radinho enquanto prepare meu café de manhà, bem cedinho. No coador de papel. Embora tenha ganho uma dessas cafeteiras chiques, com cápsulas. Nada substitui o cheirinho de café fresco pela manhã. E assim vou tendo meus momentos de felicidade. Grande abraço Dedé!
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