Seu coração sempre fora terra
inabitada. Muitos viajantes ousaram fazer morada, tentaram se instalar. No
entanto, suas terras nunca se mostravam hospitaleiras, não faziam sequer
questão de acolher quem por elas passava. Ela própria era a grande senhora
daqueles campos, aquela que sempre dava as ordens e decidia quem deveria ou não
permanecer. Certo dia, viu adentrar meio sorrateiro um alguém que desde então
lhe pareceu muito especial. Foi chegando de mansinho, conquistando espaço,
voluntariamente atraente, sedutor. Já em sua primeira visita, ela tentou – meio
sem jeito – hesitar em abrir as porteiras de sua propriedade. Porém, o alguém
levou-a a fazê-lo sentir-se em casa e deu-lhe nuances de uma tranquilidade, de
uma alegria que ela não recordava ter experimentado. E cantaram. Isso.
Cantaram. Imagine que o forasteiro arrancou-lhe a música que ela aprisionara
até então. E naquele mesmo dia esse alguém foi embora. Mas deixou-a perceber
que voltaria. E voltou muitas vezes. E sua presença perene transformou os ares
de sua terra, que parecia não suportar de tanta primavera. E floresceu como
nunca. E exalou um perfume de essência jamais experimentada. Esse alguém se
instalou e tomou conta de suas searas. Hoje, pelo que se sabe, é ele o senhor
de suas terras. Pois, seus campos não seriam jamais os mesmos na ausência dele.
É dele que agora parece vir a segurança, a alegria, a paz que outrora existiam,
mas não na plenitude que hoje se apresentam.Vê-se em seus olhos, um temor de
que esse senhor decida um dia desbravar outras terras, e deixe para trás as
tantas flores que plantou. Por isso, seu ofício tem sido dar-lhe terra boa,
aquecê-la com o mais belo dos sóis, dar-lhe toda noite a mais brilhante das
luas e junto dela cravejar as estrelas mais fascinantes. De manhã, deixa que a
brisa toque o rosto de seu amado, que o orvalho lhe refresque o corpo. Quer
fazê-lo sentir-se prisioneiro desse paraíso, para que seja impensável sua
partida. Deseja ardentemente que crie raízes, que ame, que se apegue e respeite
cada vez mais as terras que acolheram-no. Pois sente que só será feliz enquanto
ele estiver vagando pelas brenhas do seu coração. Enquanto ela puder esperá-lo.
Para acarinhá-lo, tirar-lhe as sandálias, lavar-lhe os pés. Tocar-lhe o rosto
até que ele adormeça, descanse e fique em paz. Quer tê-lo sempre à sua espera.
Ansioso. Quer-lhe a correr ao encontro, a dar-lhe o desejado abraço, a sentir
na pele o coração pulsante de felicidade. Quer o beijo ardente a molhar-lhe os
lábios, a acolher a lágrima que lhe desce a face. Quer enfim dar-lhe a mão,
para que possam caminhar juntos. Para seguirem a estrada que se lhes agiganta
adiante. Quando estiverem cansados, quer ser-lhe e nele ter a força do
recomeço. Quer dar-lhe a mão. Amar. Pra sempre. Caminhar. Juntos. Até que sejam
como encantados. Até que não precise dizer palavras. Até que se façam
eternidade.
Minha alma tem fome! Por isso vivo buscando formas de alimentá-la. Poesia, música, viagens, cozinha, cotidiano e tudo onde enxergo poesia. Aqui vou compartilhando meu pão e minha poesia de cada dia!
quarta-feira, 12 de junho de 2013
segunda-feira, 10 de junho de 2013
Desde o tempo em que o Merthiolate ardia!
Será que alguém
já pensou nos efeitos causados a uma geração de crianças e adolescentes, que
passou a vida inteira sem saber o que é um remédio que arde? Lembro-me muito
bem de que passar Merthiolate nos machucados quando éramos criança era um
evento que acabava mobilizando grande parte da família. A criança estava lá
quietinha, brincando, quando, de repente, começava a movimentação, aquela troca
de olhares entre os adultos. Geralmente a mãe segurava a criança, que quando
via aquele vidrinho âmbar, que tinha na tampa uma haste com uma redinha de
plástico no fim, já abria o maior berreiro. Havia então todo um cerimonial,
toda uma etapa de negociações e convencimentos e promessas. Então, só depois
que se jurasse que haveria sopro antes, durante e depois da aplicação do
maldito antisséptico, a criança resignada permitia que se fizesse o que não
havia remédio. Lá em casa, por exemplo, tinha que ligar até ventilador em cima.
Olha que ainda estou me referindo ao Merthiolate vermelho, aquele que deixava
as crianças todas pintadas pelo corpo inteiro. Depois que inventaram o
Merthiolate incolor, a coisa ficou ainda pior. Lá em casa, a gente cismava que
ele ardia ainda mais. “Pai, passa mercúrio, por favor!”. “Mercúrio não arde,
não presta!”. Portanto, minha memória afetiva não me permite confiar num
Merthiolate que não arde. É uma questão de princípios.
Sinceramente,
não sei onde querem chegar com essa história de que criança não pode sofrer.
Essa superproteção exagerada. Estamos construindo uma sociedade de gente
despreparada para a decepção, para a tristeza, para a morte. Como se estas
coisas todas não fizessem parte da vida. Hoje em dia, por exemplo, é quase
inadmissível uma reprovação na escola. Obviamente, existem os exageros de ambas
as partes. Mas a decepção faz parte da vida, o fracasso é inerente, e a gente
precisa aprender a lidar com isso de forma proveitosa. Lá em casa, desde
criança, sempre estivemos inseridos em todas as situações familiares, fossem
elas boas ou ruins. Sempre soube que era possível sofrer, se decepcionar mesmo
com aquelas pessoas mais próximas, que irmãos brigavam, mas que se perdoavam
também. A gente se alegrava coma a notícia de mais um bebê, um primo, uma irmã
que ia chegar etc. Mas também não éramos privados da dor causada pela perda de
pessoas queridas. Lembro-me da primeira vez em que me deparei com a morte. Meu
tio, um dos irmãos mais novos de minha mãe, morreu num acidente de carro aos
vinte e um anos de idade. Foi uma comoção total na família. Eu na época tinha
uns sete anos de idade, minhas irmãs ainda mais novas. Mas, lembro-me de termos
ido todos ao cemitério, de termos participado do velório. Lembro da gente
brincando entre os túmulos, rindo das fotos, dos nomes das pessoas mortas.
Depois, à medida que fui crescendo, eu gostava de ir aos enterros de parentes
com minha avó. Isso tudo pode parecer mórbido, mas estou falando do meu tempo
de criança. Do meu olhar de criança, que ainda não entendia a verdadeira
gravidade e importância daqueles momentos. Mas, de certa forma, experimentar
todas aquelas situações já ia incutindo em mim certo respeito por tudo aquilo.
De alguma maneira, eu entendia a solenidade daqueles momentos, em que a família
se solidarizava com a dor das pessoas. Aquela família que muitas vezes se
reunia para celebrar a vida, comemorar aniversários, batizados, estava ali
também no momento de dor.
Quando ouço, por
exemplo, essas novas versões de músicas infantis, do tipo “não atire o pau no
gato-to, porque isso-so-so não se
faz-faz-faz...”, fico pensando que passei a minha infância inteira, cantando a
versão não-politicamente correta desta mesma canção, aquela em que o gato levava
uma paulada, se ferrava todo, mas conseguia escapar e não morria. Na verdade,
não me lembro de saber exatamente o que estava cantando naquela época, até
porque coisas como “dona-chica-ca-ca-dimirou-se-se-duberrô-duberrô-que-o-gato-deu”
não faziam o mínimo sentido pra mim. Fato é que não foi porque eu cantava isso
quando criança, que eu sai dando paulada em gatos, cachorros, ou qualquer outro
animal, à torto e à direito. E, é claro que também o fato de eu ter aleijado
alguns grilos, marimbondos e formigas quando criança, não me transformou num
sujeito perverso, de má índole, nem num adulto que maltrata animais. Até
porque, pelo menos na minha época, quem ensinava que maltratar animais – dentre
tantas outras questões – não era legal, era pai e mãe, e não pura e
simplesmente uma cantiga de roda, que se cantava inocentemente. Isso sem falar
nas versões atuais das tradicionais histórias infantis, dos contos de fadas, em
que a bruxa não manda mais arrancar o coração da mocinha, ou que o lobo-mau não
engole mais a vovozinha, que a madrasta não escraviza mais a enteada, etc etc. Que
mundo é esse que esse pessoal está querendo ensinar pras crianças?
O que temos de
aprender desde sempre é que nascemos mesmo para sermos felizes, mas que isso é uma
conquista diária, uma luta pra vida toda. A gente vai sim quebrar a cara, vai
ter decepção, vai sofrer, vai ficar triste, vai perder gente que ama, vai
sentir saudade, e nem sempre vai ter um remedinho tarja preta pra resolver. O
que temos que nos acostumar desde sempre é tudo isso faz parte da vida. E, de
fato, podemos até mesmo nos transformar em seres humanos melhores, se aprendermos
a lidar com isso desde cedo. Há dias na vida em que você acorda cedo, vai comprar
flores pra enfeitar a casa para receber amigos queridos. E, de repente, o vaso,
que era de vidro, se quebra. Você se corta todo, termina a manhã num
pronto-socorro, leva um monte de ponto nos dedos. Então, você se dá conta, que
nem tudo na vida são flores. Há vasos e vidros quebrados, há sangue, há dor.
Mas também há gente que se solidariza, que larga tudo pra te socorrer. Há gente
que te ajuda o dia inteiro pra que a festa continue. Mesmo com os dedos
cortados, mesmo sem vaso de cristal, as flores ainda enfeitam a casa, os amigos
ainda estão lá, por perto, dispostos a celebrar a vida contigo. A vida
continua. Pois, a felicidade de uma vida se constrói com alegrias e tristezas,
momentos de prazer e de dor. Isso, eu aprendi desde cedo. Porque é assim desde
que o mundo é mundo. É assim desde o tempo em que o Merthiolate ardia. E nem
por isso, mesmo depois da dor dos machucados, da ardência ou do amargor dos
remédios, a gente nunca desistia de brincar, a gente não deixava se arriscar. O
que a gente sempre quis – e continua querendo – é ser feliz, mesmo sabendo que
pra isso, às vezes, seja preciso sofrer um pouquinho.
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domingo, 2 de junho de 2013
A sorte de um amor que lhe faça gargalhar
Ontem assistindo a um
filme na TV, num dialogo entre dois personagens, um deles pergunta: ‘você amava
a sua mãe?’, ao que o outro responde: ‘sim, eu a amava. Porém, não gostava
dela.’ No momento, achei meio estranho. Mas depois compreendi e concordei que é
mesmo possível amar alguém e ao mesmo tempo não gostar desse mesmo alguém.
Gostar inclui ter prazer. E nem sempre o amor é prazeroso. Às vezes, ele pode
ser sofrido, triste. Denso demais. No caso de uma relação entre mãe e filhos, ou entre irmãos, talvez, amar sem gostar pode até ser
possível, pois em determinado momento você acaba não tendo mais que conviver
diariamente, e o amor acaba por sobreviver, e até pode aumentar de qualidade
quando você mantém uma distância segura e necessária. No entanto, isso não
funciona quando você pensa em alguém com quem você quer construir uma história
de vida, de companheirismo, alguém com quem você deseja ter um projeto de vida
junto. Neste caso, o amor só faz sentido se vier acompanhado do gostar, do
prazer em estar perto, em conviver, em dividir.
Eu sempre pedi a Deus que
me livrasse desses amores densos, cheio de cobranças e inseguranças. De que
serve um amor que nos tira a liberdade, que nos afasta do mundo. Que serventia
tem um amor triste. Um amor que poda, que domina, que castra. Amor assim tira
as energias da gente. Vai enchendo. A gente acaba se perdendo, e jaz sufocada
entre as tantas “coisinhas miúdas” que vão se amontoando em cima de nós, feito uma
montanha de lixo, poeira que gruda, e com o tempo vai nos escondendo de nós
mesmos, tirando-nos a espontaneidade. Amor assim morre sem ar. Ter alguém que lhe faça suspirar de paixão é bom
demais, mas isso não se sustenta por muito tempo. Não aposte nisso todas as suas
fichas. Alguém que lhe deixe inebriado na hora do sexo é ótimo também, mas uma
hora isso também perderá a importância. Procure por alguém que acima de tudo
lhe dê alegria. Queira do teu lado alguém que esteja mais interessado em saber como
você está do que onde você está. Não procure alguém que não tenha defeitos, mas
alguém cujos defeitos, ainda que irritantes em certos momentos, você seja capaz
de suportar e até ria deles de vez em quando. Amor é liberdade e alegria. Não faz sentindo algum caminhar ao lado
de alguém que lhe roube de si mesmo. O que a gente quer da vida é se sentir
livre. Essa é a única receita para ser feliz pra sempre ao lado de alguém.
Liberdade. Faz-me lembrar de uma das cenas finais do DVD “Os mais doces
bárbaros” em que Bethânia, num momento bem descontraído, (Clique para ver o vídeo) fala que em dado instante daquele show, havia sentido que mesmo depois de tantos anos, eles – os Doces
Bárbaros – ainda tinham esse desejo de liberdade. “Aí me deu uma alegria. Pois
quando tem liberdade, eu fico feliz”. É disso que estou falando, exatamente
disso, da alegria de ser livre.
Sabe aquela máxima que
diz que se conselho fosse bom, não se dava, vendia? Pois bem, como sou da
filosofia cantada por Caetano, “não me amarra dinheiro não, mas formosura, (...)
elegância, (...) os mistérios ...”, se eu tivesse o poder de incutir algo em
pessoas que me são queridas, se eu pudesse dar um único conselho que fosse, para
os meus sobrinhos, por exemplo, eu diria: mais do que um amor tranquilo, queira a sorte de um amor que lhes faça gargalhar. Escolha para ter para sempre ao
seu lado, alguém que lhe faça rir. Apaixone-se por alguém que lhe arranque boas
gargalhadas. Alguém que desperte em você a alegria. A santa e essencial alegria
de viver. Alguém que mais do que amar, você goste de ter por perto. Alguém que
desperte um sorriso vivo, brilhante, pelo menos uma vez no dia. Pois, nem mesmo
o maior dos amores resiste à falta de um sorriso espontâneo, de uma alegria
inesperada. Por mais que você ame muito alguém, se juntos não cultivarem a
alegria no dia a dia, o amor certamente não resistirá. Como bem diz a canção do Arnaldo
Antunes, “a tristeza é uma forma de egoísmo”. Então seja para o outro, alegria.
Queira um amor que mais do que levar-lhe à beira do abismo, queira sair de lá
junto com você. Cultive um amor que lhe queira livre. Porque se tem liberdade,
tem alegria... e só assim se pode ser feliz.
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